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Eu sou Akelá, o chefe dos lobos da Alcateia de Seeonee, da selva da Índia. Fui escolhido por eles para ser seu líder porque tenho experiência e os guio nas caçadas por caminhos seguros, protegendo-os dos perigos. Os lobos me respeitam por isso e eu respeito a Lei. Aliás, todos cumprem a lei e é por isso que somos conhecidos como o Povo Livre. Vou contar para você como foi que Mowgli, o filhote de homem, apareceu por aqui e foi aceito como membro do nosso povo.
É uma história bonita, preste bem atenção:
Ao anoitecer de um dia quente de verão, Pai Lobo saiu a caçar para sua família – a mãe loba Raksha e seus quatro filhotes, quando avistou um menino perdido que fugia de Shere Khan, o tigre manco, que queria comê-lo. Rapidamente levou-o para sua gruta. Lá, o menino engatinhou para perto dos lobinhos, brincou com eles e, como estava muito cansado, acomodou-se e dormiu. A mãe loba estava encantada com o filhote de homem, principalmente por ele ter se dado tão bem com seus próprios filhotes. – Vamos acolhê-lo e adotá-lo como um de nossos filhos? Podemos chamá-lo de Mowgli, a pequena rã, que é o que ele parece por ser tão peladinho assim, disse a Mãe Loba.
– Não é tão simples Raksha, teremos de apresentá-lo na Roca do Conselho junto com os demais filhotes, para ver se a Alcateia aprova a permanência dele entre nós. Mas Raksha insistiu e Pai Lobo concordou em ficar com ele.
Algum tempo depois, sob uma formosa lua cheia, a Alcateia se reuniu em torno da pedra onde se realizava o Conselho. Os filhotes novos eram apresentados um a um e do alto da Roca do Conselho, Akelá dizia: “Olhai bem, ó lobos, olhai bem!” e os lobos aproximavam-se para conhecer os novos lobinhos da Alcateia. Shere Khan apareceu esbravejando em busca da presa que, segundo ele, haviam-lhe roubado.
– O filhote de homem pertence a mim, exijo que me seja devolvido!
– Shere Khan tem razão! – disseram alguns lobos – esta rãzinha só nos trará problemas.
Fez-se um grande silêncio na Roca do Conselho, antes de Akelá dizer:
– Shere Khan não tem direito de falar neste Conselho, mas como alguns lobos estão questionando a aceitação do filhote de homem, como manda a Lei, dois membros do Povo Livre que não sejam seus pais, podem falar em sua defesa.
– Eu falarei em defesa do filhote de homem! – rosnou Baloo, o urso pardo, levantando-se em suas patas – e digo que ele não pode nos fazer nenhum mal. Deixem-no correr em nossas pradarias e, assim como fiz com cada um de vocês, eu mesmo lhe ensinarei a Lei.
– Quem fala agora? – perguntou Akelá – Baloo já falou porque ele é o professor dos nossos filhotes. – e novamente imperou o silêncio.
– Akelá e demais integrantes do Povo Livre! – ouviu- se a voz de Bagheera, a pantera negra, que havia deslizado para o círculo formado pelos lobos. – Matar um filhote é uma vergonha – disse enquanto seu olhar astuto e alerta cruzavam com os olhos sinistros de Shere Khan – Por outro lado, ele pode ser muito útil nas caçadas, quando for maior. Junto-me ao que disse Baloo, e de acordo com a Lei, eu quero acrescentar a oferta de um touro que acabo de caçar, em troca da aceitação do filhote na Alcateia. Estão de acordo? Para os lobos famintos era demais recusar a oferta de Bagheera. Logo se aproximaram de Mowgli e começaram a farejá-lo em sinal de aceitação.
E foi assim que o menino foi recebido pelo Povo Livre e ali começou a vida de aventuras que Mowgli experimentou entre os lobos.
Próximo às colinas de Seeonee, onde vivia o Povo Livre dos lobos liderado por Akelá, existia uma cidade abandonada e em ruínas conhecida como as Tocas Frias. Era lá que viviam os Bandar-log, o povo macaco. Os Bandar-log eram muito bagunceiros, não faziam nada de útil, falavam sempre sobre coisas que não sabiam e deixavam tudo por terminar. Por isso invejavam os lobos que sabiam se organizar, tinham um líder e discutiam os assuntos importantes para a Alcateia escutando uns aos outros.
Baloo sempre dizia para os lobinhos não se misturarem com os macacos, pois nada de bom aprenderiam em sua companhia. Mowgli pensava que era um exagero de Baloo, pois os macacos eram engraçados e não poderiam ser tão maus. Então sem que ele soubesse, foi brincar com os Bandar-log e aprendeu alguns dos seus maus costumes, como jogar lixo sobre os animais para irritálos. Mas a amizade dos macacos era interesseira e eles tinham plano de sequestrar Mowgli para que ele lhes ensinasse a trançar cipós e a construir abrigos contra a chuva.
Um dia, Mowgli estava dormindo sobre um galho de árvore, quando vários macacos lançaram-se sobre ele.
– Por que estão me levando? – protestou Mowgli assustado, enquanto era atirado a toda velocidade de uma árvore para outra. – Vamos levá-lo ao nosso esconderijo e de lá você não vai sair mais. Foi nesse momento que Mowgli viu Chill e, falando como os abutres, disse-lhe: “Somos do mesmo sangue, você e eu!” e pediu-lhe que contasse para Baloo e Bagheera o que estava acontecendo.
Lá do alto, entre a densa mata, Chill avistou os amigos de Mowgli, desceu rapidamente e disse:- Saudações! Trago uma mensagem do filhote de homem.
– Então fale, pois deve ser importante, respondeu Baloo preocupado.
– Mowgli foi raptado pelos macacos do povo sem lei e levado para as Tocas Frias. Vão socorrê-lo imediatamente, pois nunca se sabe o que os macacos planejam. Os pelos das costas de Bagheera se eriçaram diante da notícia, e um calafrio percorreu o enorme corpo de Baloo. Mas como eles iriam conseguir fazer isso sozinhos?
– Vamos chamar Kaa, disse Baloo, ela será de grande ajuda, pois os macacos temem as serpentes porque elas podem chegar ao ponto mais alto das árvores e os hipnotizam com o olhar deixando-os paralisados e os comem. Bagheera e Baloo encontraram Kaa, que se preparava para caçar, pois estava faminta e acabara de trocar sua pele como fazem as serpentes. Boa caçada, Kaa! – saudou Baloo – Viemos pedir sua ajuda para resgatar Mowgli; ele foi levado pelos Bandar-log e tememos por sua vida.
– É claro que vou ajudar!, mas vamos planejar muito bem o que vamos fazer, pois somos apenas três contra centenas de macacos.
Depois começaram a longa corrida até as Tocas Frias. Bagheera ia à frente, graças a seu excelente preparo físico, Kaa a seguia de perto, mas Baloo, enorme e pesado, se cansava e precisava parar para respirar.
– Depressa, velho Baloo – resmungou Bagheera, se formos devagar pode ser que cheguemos tarde demais. – Vão à frente vocês, eu vou o mais rápido que conseguir. Quando Bagheera e Kaa chegaram, perceberam que os tolos macacos tinham feito Mowgli prisioneiro em um terraço. Bagheera seguiu por cima do velho palácio e lançou-se furiosamente contra os macacos, iniciando a primeira parte do resgate.
Quando os macacos perceberam que estavam sendo atacados, jogaram Mowgli pelo teto, para dentro de uma sala sem portas que estava cheia de serpentes venenosas. As serpentes não lhe fizeram nenhum mal porque Mowgli rapidamente lhes disse as Palavras Mestras que aprendera com Baloo e que servem para pedir proteção: “Somos do mesmo sangue, você e eu”. Lá fora, a batalha era feroz e, quando Bagheera já estava a ponto de se render, asfixiada debaixo de uma nuvem de macacos que se lançara sobre ela mordendo-a e lhe dando pontapés, surgiu Baloo para ajudá-la em sua luta.
O mais incrível foi quando Kaa apareceu pelo muro dançando sobre a terra e hipnotizando os macacos com seus movimentos. Os macacos ficaram em absoluto silêncio, tremendo de medo, só semovendo o suficiente para abrir passagem para a serpente. Mowgli começou a gritar para que o tirassem de onde estava e Kaa derrubou as paredes da sala com fortes cabeçadas. Finalmente resgatado, Mowgli disse a seus amigos: – Estou muito agradecido. Peço perdão por ter envolvido vocês numa aventura tão perigosa e prometo que nunca mais vou ignorar um conselho dado por aqueles que me amam e se preocupam comigo. Os amigos de Mowgli aceitaram os agradecimentos e as desculpas, mas deram-lhe um castigo para que ele pagasse a sua dívida. Mowgli então montou nas costas de Bagheera e acabou dormindo enquanto ela o levava de volta para a gruta dos lobos, onde sua família o esperava.
A Lei da Jângal – que é a mais velha lei do mundo – atende a quase todos os acidentes que possam acontecer para o Povo da Jângal. Código mais perfeito, o tempo e os costumes nunca fizeram.
Mowgli vez por outra ficava impaciente com as constantes recomendações de Baloo, o urso pardo, que sempre lhe dizia:
“Esta é a lei que vigora em nossa selva e que é antiga como o céu!”.
Como o cipó envolve a árvore, a Lei do Lobinho envolve a todos nós. E depois que tiveres vivido tanto quanto eu, Irmãozinho, verás que todos os filhos da Jângal obedecem ao menos uma lei, e não vai ser um acontecimento agradável de se ver.
Essa lição entrou por um ouvido e saiu pelo outro, porque o menino nunca tinha passado por nenhum problema sério. Mas chegou o dia em que as palavras do sábio urso se confirmaram: Mowgli teve oportunidade de ver toda a Jângal agindo sob o comando da Lei.
Houve um ano em que as chuvas de inverno foram muito escassas. Mowgli encontrou com Ikki, o porco-espinho, que lhe avisou que os inhames selvagens estavam secando.
E daí? – perguntou Mowgli.
Nada, agora, respondeu Ikki, com os espinhos eriçados dum modo desagradável. Mais tarde veremos. Dize-me, Irmãozinho, ainda aparece água na Roca das Abelhas?
Não. Ela esta se indo toda, mas não tenho nada com isso, respondeu Mowgli.
Mau pra ti, rosnou Ikki saindo.
Mowgli contou a conversa ao urso. Baloo assumiu uma expressão preocupada porque estava notando que polegada a polegada, o asfixiante calor invadia o coração da Jângal. Estorricava-se a vegetação, lagoas esgotavam-se, transformadas em lameiros. Pressentindo o que estava por vir, pássaros e macacos já tinham emigrado para o norte, cerdos e veados mais se aproximavam das aldeias dos homens, que também sofriam com a seca. Só Chil, o abutre, engordava. Como havia carniça!
Mowgli que ainda não conhecia o verdadeiro sentido da palavra fome, precisou recorrer ao mel azedo, de três anos de idade, das colméias abandonadas e também aos vespeiros, atrás de suas ninfas para saciar-se. Todas as criaturas da Jângal tinham a pele sobre os ossos. O pior, porém era a falta de água.
O calor aumentava sempre, fazendo desaparecer toda a umidade. Por fim o Waingunga, já muito baixo, tornou-se a única reserva de água a correr na Jângal.
Quando Hathi, o elefante selvagem, viu aparecer no centro do rio Waingunga um banco de pedra grande, seco e azulado, percebeu que estava olhando para a Roca da Paz e, como seu pai havia feito cinqüenta anos antes, levantou a tromba para proclamar a Trégua das Águas: e a partir desse momento ficou proibido matar nos bebedouros, porque beber é mais importante que comer.
A seca foi piorando: os búfalos já não encontravam pântanos para se refrescar, nem pasto para se alimentar; as cobras já haviam deixado a Jângal para os rios que também estavam murchos; as tartarugas de rio tinham acabado, muitas delas nos dentes afiados de Bagheera; e a Roca da Paz cada dia se mostrava mais comprida, qual o dorso de uma cobra.
Mowgli, com sua pele nua deixava transparecer todo o seu padecimento: tinha os cabelos descorados e ressecados pelo sol, suas costelas pareciam vimes dos balaios feitos pelos homens, suas pernas e braços pareciam bambus, onde seus joelhos e cotovelos eram os nós, mas mantinha-se com o olhar firme e calmo, recomendação de Bagheera para que não perdesse o sangue frio.
Certo dia vinham os dois conversando com o urso e os lobos sobre os tempos difíceis e como eram grandes caçadores, já que o menino corria atrás de ninfas dos vespeiros e nossa pantera havia atacado um boi na canga… e resolveram ir reunir-se com os outros animais na margem do Waingunga, de onde se avistava a Roca da Paz. Lá estava Hathi, o guardião da Trégua das Águas, tendo ao redor seus filhos, magérrimos, com as pelancas rugosas ainda mais ressaltadas, os veados, porcos-do-mato e búfalos, quando Shere Khan chegou até ali e meteu seu focinho na água, para beber.
Que coisa abominável é essa que nos traz? – Mowgli perguntou ao tigre manco, enquanto observava manchas escuras e oleosas que flutuavam na água, a partir do ponto onde ele bebia.
Um homem! – disse friamente Shere Khan – Faz uma hora que matei um homem.
Entre os animais se produziu um silêncio profundo que logo se transformou em murmúrio e terminou virando um surdo clamor.
Você não tinha outra caça disponível? – perguntou Bagheera.
Não o fiz por necessidade, mas por gosto – e acrescentou, sem dar tempo às queixas dos animais – agora quero beber tranqüilo; alguém se atreve a apresentar alguma objeção?
Você matou pelo prazer de matar? – perguntou Hathi, que se mantivera em silêncio até aquele momento.
Isso mesmo – respondeu o tigre, que sabia muito bem que quando Hathi perguntava o melhor era responder prontamente. – Era meu direito, pois esta noite é minha. Você sabe.
Sim, eu sei – disse Hathi – você já bebeu tudo o que necessitava, agora dê o fora. O rio é para beber, não para sujá-lo. Somente o tigre manco pode ostentar o seu direito nesta estação em que sofremos todos, tanto os homens como o povo da selva. Volte para o seu covil, Shere Khan!
As últimas palavras soaram como trombetas de prata e Shere Khan, sem pronunciar o menor rugido, se levantou e afastou-se imediatamente. O silêncio que se seguiu só foi interrompido depois de alguns minutos pela voz respeitosa de Mowgli.
Que direito é esse de que fala Shere Khan? – perguntou alto, para que Hathi pudesse escutá-lo.
É uma história antiga, quase tão velha quanto a própria selva. Se quiserem escutá-la, fiquem todos em silêncio, os que estão nesta margem e os da outra, e eu lhes contarei. Então Hathi lhes contou uma velha história, tão velha quanto a selva e que descreve como o medo se apoderou dos seus habitantes. Mas isso é uma outra história…
Certa vez, no inverno, quando as chuvas deram de falhar, e a Jângal, cada dia que passava, ficava mais seca, os animais estavam morrendo; o único que engodava era Chill, que comia carniça, e como tinha carniça!
O Waingunga era a única reserva de água, a correr por entre a Jângal. E quando Hathi, o elefante selvagem, viu no centro do rio uma rocha, ele reconheceu que era a Rocha da Paz. Ergueu então a tromba e proclamou a Trégua das Águas, como seu pai fez há cinqüenta anos arás.
Segundo a Lei da Jângal, é proibido caçar nas horas de matar a sede, pois os animais vinham magros de fome ao bebedouro. Todos se reuniram lá para falar da seca.
Certa vez Shere-Khan chegou no bebedouro para molhar a face e comentou que tinha matado, não fazia uma hora, um homem. Hathi perguntou a Shere-Khan se ele havia matado o homem por gosto. Shere Khan respondeu:
– Sim. Era meu direito e estava em minha noite de caça.
– Sim eu sei, disse Hathi. Se já acabou, então pode ir embora.
Mowgli perguntou então:
– Que direito é esse que Shere-Khan falou, Hathi?
– Trata-se de uma história muito antiga, mais antiga que a velha Jângal.
Hati pediu silêncio para contar a história.
– No começo da Jângal, mas ninguém sabe quando foi, nós convivíamos harmoniosamente, sem que tivesse medo um do outro. Não existia seca naquele tempo, todos os animais alimentavam-se de folhas flores, frutas e cascas.
O Senhor da Jângal era Tha, o Primeiro dos Elefantes. Foi a tromba de Tha que tirara a Jângal do fundo das águas, com as patas, se formaram lagos. Deste modo se formou a Jângal.
Ocupado em criar novas florestas e abrir novos rios, Tha fez o Primeiro dos Tigres, o mestre e o juiz da Jângal, para que se existisse alguma queixa, fosse feita ao primeiro dos tigres, já que Tha não tinha tempo.
Naquele tempo, o primeiro dos tigres comia ervas e frutas como os demais, ele era grande, como eu sou, e belo de cor; tinha a cor das trepadeiras amarelas, nenhuma listra ou pinta manchava sua pelagem macia. Todos os animais chegavam perto dele sem medo, sua palavra era lei.
Certa noite, houve disputa entre dois gamos, pelas pastagens, que se resolveu a coices e chifradas. Os dois foram à presença do primeiro dos tigres, que durante a conversa, um dos gamos o feriu com um dos chifres e, esquecido de que era o juiz, o tigre deu um munhecaço, quebrando o pescoço do gamo.
Até aquela noite, ninguém havia morrido.
Nós desconhecíamos a morte e o Primeiro dos Tigres, vendo o que fez, sentiu-se alucinado pelo cheiro de sangue, correu e mergulhou no mato. Ficando sem juiz, os animais passaram a disputar tudo, ficando a Jângal abandonada. Quando Tha chegou, não disseram-lhe o que havia acontecido, mas Tha percebeu o corpo do gamo. Ninguém respondeu, estavam todos doidos pelo cheiro do sangue.
Há então deu ordem aos cipós e árvores de galhos baixos que margeiam as trilhas para que marcassem o matador, de modo que pudesse ser sempre reconhecido. Tha perguntou a todos quem queria ser o chefe do povo, o macaco gris saltou dos galhos onde vivia e respondeu que seria o chefe; mas o macaco deu de coçar-se e pular. Quando Tha voltou de novo, encontrou o macaco Gris de cabeça para baixo, pendurado pelo rabo num galho, fazendo macaquices para o povo da Jângal, que começou a gozar dele. Tinha assim desaparecido a lei, sendo substituída pela conversa tola e sem sentido.
Então, Tha nos chamou e disse:
– O primeiro chefe que eu dei a vocês, trouxe a morte para a Jângal. É tempo de vocês terem uma lei que não seja quebrada. Será ela o medo. Quando encontrarem o medo, verão que é ele realmente o vosso chefe.
Então o povo da Jângal perguntou:
– Que é o medo?
E Tha respondeu:
– Vocês aprenderão em breve. Procurem!
Então o povo da Jângal espalhou-se à procura do medo.
Certo dia os búfalos…
– Uh! Interrompeu Mysa, o chefe da manada de búfalos.
– Sim, Mysa, os antepassados dos teus búfalos de hoje, apareceram com a notícia de que no meio da floresta, lá em uma gruta, morava uma criatura sem pelo no corpo e que andava de pé.
O povo da Jângal então foi até à gruta, e encontrou o medo. Quando nos viu chegar, gritou, e sua voz nos fez ficar com o medo que até hoje nos causa, sempre que o ouvimos.
Quando o Primeiro dos Tigres ficou sabendo que o povo da Jângal tinha encontrado o medo lá naquela gruta, disse:
– Irei ver essa coisa nua e lhe quebrarei o pescoço.
Disse e fez. Andou toda a noite à procura da gruta e foi então que as árvores e cipós do caminho atentos às ordens de Tha, o riscaram de listras nas costas, na testa e no focinho. Sempre que esbarrava num galho ou cipó, ficava com uma listra ou pinta nova em sua pelagem amarela. E essas marcas até hoje seus descendentes as usam.
Quando ele chegou na gruta, o pelado apontou para ele e disse:
– O manchado aí vem.
O primeiro dos tigres teve medo do pelado e voltou, miando, para o mato. Tão alto miava o tigre, que Tha o ouviu e perguntou:
– O que aconteceu?
– Achei o medo, e ele me expulsou e me chamou de sujo e fiquei mal visto pelo povo da Jângal.
– E por quê?
– Porque eu estava todo listrado de lama!
– Então vá lavar-se no rio, para que tuas listras saiam.
Então, o tigre se banhou no rio para tirar as manchas, mas nenhuma listra saiu.
– O que fiz para ficar assim? Perguntou o tigre.
– Você matou um gamo e espalhou o medo em nosso povo.
Tha então mandou o tigre embora, mas antes disse para o tigre que por uma noite, a cada ano, quando ele encontrar o pelado, cujo nome é Homem, não terá medo, mas o pelado sim.
Logo depois, ele foi beber água, viu refletir suas listras e lembrou que o pelado tinha lhe chamado de sujo, então percorreu a selva, esperando o dia que Tha lhe prometeu. Ele esperou a lua e foi atrás do pelado, e lhe quebrou a espinha com um munhecaço, pensando assim que tinha matado o medo. Tha logo ficou sabendo da morte do pelado e foi arás do tigre e disse para ele que havia muitos pelados. Com essa morte, ninguém mais iria arás dele, nem dormiriam perto dele.
Quando amanheceu, apareceu na boca da gruta outro pelado, e viu o que o tigre fez, e pegou uma enorme lança, com uma ponta afiada, atirou no tigre, que correu até que quebrasse a vara. Os filhos da Jângal ficaram sabendo que os pelados poderiam matar de longe e ficaram com medo do Homem. Foi o primeiro dos tigres que ensinou o homem a matar.
Hathi mergulhou a tromba na água, dando assim por encerrada a história.
Mas Mowgli perguntou a Baloo por que os tigres alimentam-se de carne hoje, se antigamente eles comiam apenas folhas de árvores e ervas. O que foi que o levou a comer carne? E Baloo respondeu:
– Porque ele quebrou apenas o pescoço do gamo, não o comeu, mas as árvores e cipós o haviam marcado.Por isso, o tigre não alimentou-se mais de folhas e ervas rasteiras.
-Até você sabia dessa história, Baloo? Perguntou Mowgli.
– Sim, eu sei de muitas histórias, Mowgli!
1ª Parte
Ah! Você é um filhote de homem – disse a Pantera Negra, com grande ternura. – E da mesma forma que voltei para a Jângal, você deverá um dia retornar para os homens, para os homens que são seus irmãos, se antes não for morto no Conselho.
– Mas por que alguém desejaria matar-me? – replicou Mowli.
– Olhe para mim – disse Bagheera.
Mowgli olhou fixamente nos seus olhos. Depois de alguns momentos, a grande Pantera desviou o olhar.
– É por isso – explicou Bagheera, movendo uma das patas sobre as folhas. – Eu mesma, que nasci entre os homens e o quero bem, não posso sustentar seu olhar, Irmãozinho. Os outros o odeiam porque não podem resistir ao choque dos seus olhos, porque você é sabido, porque tirou espinhos de suas patas, porque é homem.
– Eu não sabia dessas coisas – disse Mowgli, magoado, franzindo suas grossas sobrancelhas escuras.
– Pela própria indiferença com que se comporta com eles veem que você é homem. Mas fique atento. Pressinto no coração que, na primeira vez que o velho Akelá errar o pulo – e cada dia ele tem mais dificuldade para apanhar seu gamo -, a Alcatéia se voltará contra ele e contra você. Realizará uma assembleia na Roca e então… e então…- Já tenho uma ideia! – exclamou Baghera, levantando-se de um salto. – Desça depressa às cabanas dos homens no vale e pegue um pouco da Flor Vermelha que eles fazem nascer lá embaixo. Assim, quando chegar o momento, terá um aliado mais forte que eu, Baloo ou os da tribo que o querem bem. Vá buscar a Flor Vermelha!
Flor Vermelha significava o fogo para Baghera. Mas nenhuma criatura da Jângal denominava o fogo por seu verdadeiro nome. Um medo mortal se apodera das feras diante dele e inventam cem modos diferentes para descrevê-lo.
– A Flor Vermelha! – replicou Mowgli. – Ele cresce fora das cabanas ao entardecer. Irei buscar um pouco.
– É assim que um filhote de homem deve falar – disse Bagheera com orgulho. – Lembre-se que ela cresce em vasos pequenos. Pegue rapidamente um a e guarde-a com você até o momento em que precisar dela.
– Muito bem – respondeu Mowgli -, vou lá.
Passou o braço em volta do pescoço esplêndido da Pantera e olhou-a no fundo dos olhos.
– Mas tem certeza, minha cara Baghera, de que tudo isso é obra de Shere Khan?
– Pela fechadura quebrada que me deu a liberdade, tenho certeza, Irmãozinho.
– Então, pelo touro que me comprou, pagarei a Shere Khan o que lhe devo, e é possível até que receba um pouco a mais do que lhe devo.
Ao dizer isso, Mowgli partiu rapidamente.
– Esse é um homem, um verdadeiro homem – murmurou a Pantera, voltando a deitar-se. – Ah, Shere Khan, você nunca fez uma caçada mais perigosa do que quando foi atrás dessa rã, há dez anos.
O termo “flor vermelha” significa “fogo” e vem da história de Mowgli, onde os animais da floresta de Jângal chamam o fogo utilizado pelos homens de “flor vermelha”. Nesta história, todo lobo líder da Alcateia, quando envelhece, é então substituído por outro lobo mais forte, com capacidade de liderar seus companheiros nas caçadas. Na Jângal, todos os animais temem a flor vermelha e Mowgli, sabendo disso e que Shere-khan incitaria os jovens lobos a matarem ele e Akelá, desce até a vila dos homens para pegar brasas e usar a flor vermelha para se defender. Mowgli com a ajuda de seus amigos e da flor vermelha consegue expulsar Shere-khan e acabar com a rebelião dos lobos. Cheio de tristeza pela traição dos seus companheiros lobos, Mowgli deixa a Alcateia e vai viver junto dos homens na vila próxima da Jângal.
2ª Parte
Mowgli viveu incríveis aventuras. No entanto Akelá, o líder da alcatéia, envelhecia e logo ele erraria o bote pela primeira vez, assim como muitos dos lobos mais velhos.
Shere-Khan usava sua influência sobre os jovens lobos e convencia-os que Mowgli era um intruso perigoso. Bagheera sabia que quando Akelá perdesse seu bote, ambos morreriam, o Lobo Solitário e Mowgli.
O plano para salvar sua vida passava pela aldeia dos homens e Mowgli, que vivia à espreita, observando-os, achou fácil roubar uma vasilha cheia de brasas das mãos de um apavorado menino. Na caverna de mãe lobo ficou todo o dia soprando as brasas e cobrindo-as com gravetos secos para mantê-las vivas.
Naquela noite Akelá perdeu o seu bote e o conselho reuniu-se para assistir a luta de morte que elegeria um novo líder. Mowgli, entre Bagheera e Baloo, segurava seu pote de barro com as brasas. Shere-Khan falou contra Akelá e contra Mowgli, incitando os lobos a matá-los.
Então, derrubando as brasas, Mowgli disse: -Basta de discussão de cachorro! Muito já me disseram esta noite para provar que sou homem, a mim que desejava ser lobo toda vida, de modo que estou convencido de que sou homem!
-Vou-me para minha gente. A Jângal estará fechada para mim. Serei, porém mais generoso que vocês; porque fui durante dez anos irmão de vocês em tudo menos no sangue. Chamou-os traidores e disse que iria embora, uma vez que era o que todos queriam.
Prometo que quando me tornar homem, entre os homens não trairei vocês perante eles, como vocês fizeram comigo.
Vendo o fogo, os animais recuaram aterrorizados. Mowgli usou um galho como uma tocha e assim armado com a “flor vermelha”, que era como os animais chamavam o fogo, o menino de dez anos agiu como homem pela primeira vez.
Puxou os bigodes do tigre, chamou-o de cão sarnento e manco, obrigou-o a tremer de pavor e a fugir chamuscado pelo fogo que ele brandia sobre a cabeçorra malhada.
Exigiu que fosse poupada a vida de Akelá, e que ele fosse sempre ouvido nas reuniões do conselho.
Mowgli ainda prometeu que na próxima reunião da Roca do Conselho que ele viesse, ainda mais homem traria a pele do comedor de bezerros, Shere-Khan sobre a cabeça.
Depois, sentiu uma tristeza enorme e pensou que estava morrendo, mas Bagheera disse que eram apenas lágrimas. “Você já é um homem”, disse Bagheera mansamente. .
Com a cabeça enterrada no colo peludo de Baloo, Mowgli chorou
Para que vocês entendam a história, voltaremos um pouco atrás, quando Mowgli deixou a caverna do lobo dez estações após sua apresentação à alcatéia. Depois de muito ouvir de Shere-khan e do próprio povo livre, na Roca do Conselho; Mowgli ergueu-se segurando na mão uma vasilha com a “Flor Vermelha” (nome dado ao fogo), estendeu os braços e magoado gritou:
-Ouvi! Basta de discussão de cachorro! Muito já me disseram esta noite para provar que sou homem, a mim que desejava ser lobo toda vida, de modo que estou convencido de que sou homem!
Com isso Mowgli derramou as brasas no chão, ateando chamas em um tufo de ervas secas.Todos os lobos recuaram atemorizados e o filhote de homem continuou berrando:
-Vou-me para minha gente. A jângal estará fechada para mim. Serei, porém mais generoso que vocês; porque fui durante dez anos irmão de vocês em tudo menos no sangue. Prometo que quando me tornar homem, entre os homens não trairei vocês perante eles, como vocês fizeram comigo.
Mowgli ainda prometeu que na próxima reunião da Roca do Conselho que ele viesse, ainda mais homem traria a pele do comedor de bezerros, Shere-khan sobre a cabeça. E também declarou que ninguém mataria Akelá, mesmo sendo ele considerado um lobo morto por haver perdido o bote.
Vieram-lhe soluços de desespero e grossas lágrimas brotaram de seus olhos. Sem entender o que se passava, pois não queria , mas sentia que tinha de deixar a Jângal . Mowgli chorou; Chorou pela primeira vez em toda sua vidinha . “Você já é um homem”, disse Bagueera mansamente .
Despedindo-se de sua Mãe Loba na gruta, Mowgli deixa as montanhas de Seoni e sozinho rumou à aldeia onde morava as estranhas criaturas chamadas homens.
Ao ver o primeiro homem, apontou para a boca aberta significando que tinha fome. Este homem chamou o sacerdote e muitos outros homens, que se espantaram com o menino nu, com cicatrizes de mordeduras nos membros. Após alguns comentários, o sacerdote com solenidade disse a Messua, esposa do lavrador mais rico da região, que levasse o menino para a casa dela, visto que ela havia perdido um filho pequenino para a jângal.
A mulher o conduziu até a cabana onde havia muitas coisas, e dando-lhe leite e pão chamou-o de Nathoo, porém Mowgli deu a entender que não conhecia tal nome. Cheia de mágoa, Messua disse-lhe que parecia-se bastante com seu filho, e assim ele acabou ficando seu filho.
Mowgli não se sentia à vontade, por nunca ter-se visto dentro de uma cabana, mas sossegou-se vendo o teto onde poderia fugir se lhe desse vontade. Mowgli também se sentia estúpido sem entender a linguagem dos homens, porém isso não era difícil de aprender para quem já sabia imitar tantas outras linguagens. Com isso começou a imitar tudo o que Messua falava, tendo assim aprendido nesse mesmo dia o nome de muitas coisas.
Quando trancaram a porta para que Mowgli dormisse na cama , ele fugiu pela janela , pois não estava acostumado a dormir assim. Foi estirar-se na relva macia do campo vizinho, para lá dormir. Antes que seus olhos fechassem um focinho amigo veio farejá-lo, era Lobo Gris, filhote mais moço de Mãe Loba que lhe trazia notícias da jângal.
-Shere-khan foi à procura de caça, mas quando voltar jurou que vai te matar. Mowgli então respondeu:
-Eu não tenho medo dele; Não se assustando com o juramento de Shere-Khan, uma vez que ele também prometeu que o mataria. Depois de prometido que nunca esqueceria os irmãos da gruta, pediu que Irmão Gris sempre trouxesse notícias.
Passaram-se três meses e Mowgli andava muito ocupado em aprender os usos e costumes dos homens. Teve que acostumar-se a usar panos em cima do corpo, o que lhe incomodava muito, a em- pregar o dinheiro e a usar o arado, que lhe era inútil. Os demais garotos o punham furioso. Felizmente a Lei da jângal lhe ensinara a dominar-se, porque na vida selvagem o alimento e a segurança dependem muito do domínio sobre si próprio.
Mowgli desconhecia a sua própria força. Na jângal sentia-se fraco, em comparação com os animais selvagens; na aldeia , os homens o consideravam forte qual um touro, mas nada conhecia a respeito das castas. Tratava a todos com igualdade, o que não agradava a alguns, como o sacerdote.
Na aldeia Mowgli conheceu um caçador chamado Buldeo, que reunido com os velhos da aldeia contava muitas mentiras sobre os animais da jângal, inclusive histórias inventadas por ele sobre fantasmas. Mowgli provocava a raiva do caçador ao desmentir as histórias contadas por ele. Ao ser repreendido por meter-se na conversa dos mais velhos, foi mandado a pastorear os bois e búfalos, o que não lhe era nada difícil. Então ele disse aos outros garotos que tomassem conta dos bois, que ele sozinho guardava os búfalos. Como os búfalos gostavam de pontos pantanosos para se refrescarem do calor ele os levou para o extremo da planície, lá onde o Rio Waiganga sai da floresta.
Saltou no pescoço de Rama, o chefe do rebanho e correu ao local onde marcara com o Irmão Gris. Foi onde novamente encontrou o Lobo Gris e combinaram que quando Shere-Khan estivesse caçando Mowgli, este o avisaria. Foi o que aconteceu após alguns dias; Shere-khan atacaria Mowgli na entrada da aldeia, quando este estivesse voltando com os búfalos.
Mowgli, ajudado pelo Lobo Gris e Akelá, preparou um plano para matar Shere-khan, ou seja, estes dividiriam a manada de búfalos em duas partes : de um lado os machos , do outro as fêmeas e os filhotes; e fariam um estouro de boiada sobre Shere-khan que seria esmagado sobre as patas dos búfalos. Este não teria como fugir pois estaria lerdo pela refeição que acabara de fazer ,e cercado por búfalos e pelo barranco. O plano foi bem sucedido. Mowgli com ajuda dos amigos, resolveram retirar a pele de Shere-Khan para apresenta-la à Roca do Conselho , foi quando apareceu o caçador Buldeo, dizendo que ficaria com a pele de Shere-Khan pois havia uma recompensa de 100 rúpias pela morte de tal tigre. Mowgli recusou-se a entregar a pele a Buldeo e este ameaçou dar-lhe uma surra,sendo que Akelá saltou sobre o caçador arremessando o ao chão . Buldeo conseguiu se livrar de Akelá pedindo perdão a Mowgli.
Buldeo ficara assustado achando que era magia ou feitiçaria pois jamais vira um humano dar ordens a um lobo,ao chegar a aldeia contou histórias de feitiçaria e encantamento que deixou o sacerdote assustado.
Após retirar e guardar a pele do tigre , Mowgli e os amigos, recolheram novamente os búfalos e retornaram para a aldeia , ao chegarem viram luzes acesas e pensou “deve ser uma homenagem a mim por ter matado Shere-Khan “; mas uma chuva de pedras fora lançada em sua direção contrariando seus pensamentos.
– Feiticeiro, Lobisomem ! Demônio da jângal ! Fora! Fora! Atira Buldeo! Atira!
Mowgli pára assustado com as pedras e os gritos.
-Não me parecem muito diferentes dos da alcatéia , estes teus irmãos homens disse Akelá,sentando se calmamente sobre as patas traseiras. Parecem me que estão te expulsando do povoado.
-Outra vez? exclamou Mowgli. Da primeira vez insultaram-me de homem . Agora de lobo !
Vamo-nos daqui Akelá.
Uma mulher corre em sua direção e diz:
– Meu filho! Dizem que você é feiticeiro, não creio mas vai-te antes que te matem Só eu sei que vingaste a morte do meu Nathoo.
– Agradecei a Messua , homens ; Por amor a ela deixo de invadir a aldeia com meus lobos e caçar a todos.
Depois do desabafo, incitou os búfalos sobre quem os apedrejavam, e tomou o caminho da jângal seguido dos dois amigos . Olhava as estrelas e sentia-se imensamente feliz.
Ao chegar ao jângal , após rever Mãe Loba , foram a Roca do Conselho, onde Mowgli apresentou a pele do tigre.
Os lobos que chegavam à Roca encontravam-se aleijados, mancos e feridos devido a terem ficado sem chefe desde que Akelá foi deposto da chefia. Após verem a pele do tigre os lobos pediram para Akelá chefiar novamente a alcatéia. Mowgli, por sua vez resolveu não mais pertencer a alcatéia e caçar sozinho na Jângal somente em companhia dos quatro irmãos lobos, até o dia em que…
Mas isso já é outra história.
Baloo o grande urso pardo, professor dos lobos da Alcateia de Seeonee, da qual Mowgli fazia parte, ensinava a lei do Jângal e previa a todos que ela era como o cipó gigante: sempre alcançava o costado de todos e ninguém escapava dela. Mowgli não lhe dera ouvidos até um ano em que ele percebeu que todo o Jângal está sujeito à mesma lei. A terra começou a secar, assim como a vegetação, o pasto ficou escasso assim como toda a alimentação na selva. Com a falta de chuvas e o calor intenso todas as poças de água foram secando ao ponto de haver água somente no leito do grande rio Waingunga, agora reduzido a um pequeno córrego com suas margens secas. E quando Hathi, o grande elefante selvagem, percebeu o afloramento de uma grande pedra bem no meio da corrente do rio, ele reconheceu a roca da paz, e imediatamente elevou sua tromba e decretou a trégua da água, assim como seu pai o fez a 50 anos atrás. A lei dizia que em caso de falta de água a caça no entorno dos pontos de água era proibida, pois matar a sede é mais importante que se alimentar. Aqueles que desrespeitassem a trégua da água seriam castigados com a própria vida.
Estavam todos reunidos nas margens do rio Waingunga quando chegou Shere-Khan para beber água. Os animais notaram as manchas escuras e oleaginosas que desciam o rio a partir da papada do tigre enquanto este bebia água. Todos ficaram espantados ao saberem que Shere-Khan havia matado um homem e por mero prazer. Revoltados com o tigre todos os animais começaram a mostrar indignação com sua atitude. Shere-Khan antes de se retirar, por ordem de Hathi, resmungou que estava em seu direito, pois aquela noite era dele. Mowgli ficou intrigado e questionou Hathi sobre esse tal “direito” que Shere-Khan falava, pois matar um homem é sempre uma vergonha para os animais do Jângal.
Essa é uma historia antiga, respondeu Hathi, mais antiga que o próprio Jângal. Façam silêncio que vou contá-la. De todos os seres o mais temido é o homem, e vocês sabem por quê? No início do Jângal, e ninguém sabe quando isso foi, todos os animais andavam juntos sem temor. Não havia secas e nem falta de alimentos, todos os animais se alimentavam de pasto, folhas, cascas e frutas. Tha o primeiro elefante era o senhor e criador do Jângal, como andava ocupado em criar novas floretas e rios, ele designou um tigre para representa-lo como juiz do Jângal, responsável pela resolução das desavenças eventuais. Naquela época o tigre não tinha listras, era todo amarelo e também se alimentava de folhas e frutas. Os homens também vivam em harmonia com os animais e a floresta, todos eram um só povo.
Certa noite ocorreu uma desavença entre dois gamos por causa do pasto. Ao se explicarem para o tigre um dos gamos o empurrou com seus chifres, e o tigre, esquecendo que era o juiz do Jângal, pulou sobre o gamo e lhe quebrou o pescoço. Até aquele momento nenhum animal havia morrido. Ao ver o sangue do gamo o tigre ficou louco e fugiu para os pântanos no norte. Os animais ficaram sem líder e começaram a brigar entre si. Até que Tha o elefante, ouvindo todo o barulho, retornou ao Jângal ordenando que as árvores marcassem o corpo do assassino com listras e sugerindo que outro animal tomasse o lugar do tigre como líder. O Macaco cinzento logo se prontificou. No início assumiu uma postura de seriedade, mas logo retomou suas atitudes ridículas e descomprometidas, deixando mais uma vez, o Jângal sem liderança. A bagunça se instalou novamente pela floresta.
Foi quando Tha retornou mais uma vez, indignado, dizendo que já estava na hora de todos seguirem uma lei, pois o primeiro líder havia introduzido a morte no Jângal, enquanto o segundo havia introduzido a vergonha. Então Tha disse a todos: o Jângal precisa de uma lei que vocês não possam infringir, de agora e diante vocês conhecerão o medo, e quando o encontrarem saberão que ele é o seu senhor, e o resto virá por si. Todos os animais espantados se perguntavam “o que é o medo?” e Hathi disse: procurem até o encontrarem.
Não tardou para surgir à notícia de que o medo vivia em uma caverna, com o corpo sem pelos e apoiado sobre duas patas. Todos os animais correram para ver o medo. Quando se aproximaram da caverna, o homem deu um grito muito alto e foi tomado pelo mesmo medo que os animais também sentiram naquele momento. Os animais fugiram correndo e daquele dia em diante ninguém mais ficou junto na floresta como de costume. Os animais passaram a se agrupar por espécies, sempre tendo medo um dos outros. O primeiro tigre sabendo desta história disse que iria até a tal caverna e que quebraria o pescoço do medo, no trajeto ele foi marcado pelas árvores e cipós, tornando-se todo listrado, marcas que seus descendentes trazem até os dias de hoje. Ao encontrar o ser sem pelos na caverna, o tigre também foi possuído pelo medo e acabou fugindo novamente para o pântano.
Se sentindo desonrado e furioso por ter sentido o medo ele implora a Tha para que seus descendentes possam lembrar que um dia ele também tinha sido o senhor do Jângal. Tha então concede ao tigre apenas uma noite do ano, na qual ele não sentirá medo do homem, mas este sentira medo do tigre, como se ele ainda fosse o senhor do Jângal. Tha também pediu ao tigre que tivesse compaixão dos homens, pois ele sabia o que era sentir o medo.
Ainda furioso por ter de carregar as listras em seu corpo, o tigre esperou impacientemente pela sua noite. Ao perceber que ela havia chegado ele correu para a caverna do homem e, na primeira oportunidade, quebrou sua espinha. O tigre achava que havia somente um dos seres sem pelo e que havia acabado com o medo. Tha retorna ao Jângal e questiona o primeiro tigre: é essa a sua compaixão? Que importa, respondeu o tigre, eu matei o medo. Tha replicou: “cego e insensato!” Você desatou os pés da morte e ela vai lhe seguir até que esteja morto. Você ensinou o homem a matar! Mas o primeiro tigre, insolente, acreditava que havia exterminado o medo e que seria novamente o senhor do Jângal. Ao findar sua noite, no amanhecer, outro ser sem pelo saiu da caverna e avistou o tigre sobre o morto, pegou uma lança e arremessou acertando no flanco do tigre que correu gritando pelo Jângal até conseguir retirar a lança. Todos os animais agora sabiam que os homens podem matar a distância e passaram a temê-lo ainda mais.
Quando pensamos na progressão dos lobinhos e nas atitudes que eles devem incorporar conforme vão conhecendo o caminho da Jângal, dizemos que os lobinhos devem ser afetuosos como Rikki-Tikki-Tavi.
Rikki-Tikki-Tavi é um mangusto, um animal parecido com um gato e uma doninha. Muito esperto e rápido, ele é um animal muito companheiro e carinhoso, sempre atento para ajudar seus amigos.
A história de Rikki-Tikki-Tavi começou com uma grande enchente de verão que o arrancou de sua toca e o levou a deriva para longe de sua casa. Quando acordou estava em um gramado lamacento, onde foi encontrado pela família de Teddy, a qual cuidou do magusto até que ele estivesse recuperado.
Quando Rikki-Tikki-Tavi ficou melhor deu um pulo no ombro do Teddy e selou sua nova amizade. Teddy e Rikki-Tikki-Tavi viraram grandes amigos. Em um passeio no jardim da família de Teddy, Rikki-Tikki-Tavi conheceu o pássaro Darzee e sua esposa, se lamentando pela perda de um de seus ovos que havia caído do ninho e sido comido pelo casal de cobras venenosas Nag e Nagaia. Neste momento Nag apareceu por entre a grama alta e ameaçou Rikki-Tikki-Tavi, tentando chamar a sua atenção e ganhar tempo, enquanto sua esposa Nagaia se aproximava pelas costas para dar o bote mortal. Nisso, Darzee olhando de cima de seu ninho, deu o alarme para Rikki-Tikki-Tavi, que imediatamente saltou agilmente no ar, o suficiente para escapar do bote da cobra. Furiosas as cobras fugiram prometendo se vingar de Darzee e de Rikki-Tikki-Tavi.
Quando Rikki-Tikki-Tavi voltou para a casa de Teddy, uma pequena cobra marrom chamada Karait, pronta para dar o bote no garoto, se pronunciou dizendo: “Cuidado, eu sou a morte”. Antes de atingir Teddy, o mangusto salta sobre a pequena cobra e a mata, salvando assim a vida de seu amigo. Vendo que Rikki-Tikki-Tavi salvou a vida de Teddy, seus pais deram graças ao pequeno animal dizendo que ele era uma benção para a família.
Com o mangusto guardando a segurança da família, Nag e Nagaia se sentiram ameaçados e decidiram tramar contra a vida deles, disse Nagaia a Nag: Entre na casa e morda o pai e depois a mãe e o garoto, quando não tiver mais família, o mangusto deve ir embora e o jardim será só nosso novamente.
Mas Rikki-Tikki-Tavi andava sempre alerta e fazia sua ronda noturna na casa de Teddy, quando ouviu as cobras tramando contra a família. Rikki-Tikki-Tavi esperou Nag que entrou na casa pelo encanamento do banheiro, os dois travaram uma batalha horrível, mas Rikki-Tikki-Tavi deu um bote certeiro na cabeça de Nag e não deixou chance para a cobra venenosa. Com o barulho os pais de Teddy acordaram e viram que Rikki-Tikki-Tavi havia salvado a vida de toda a família.
Mas a esposa de Nag, Nagaia, não deixaria barato a morte de seu marido e tentaria se vingar de Rikki-Tikki-Tavi e da família de Teddy a todo o custo. Rikki-Tikki-Tavi descobriu o ninho de Nagaia e destruiu todos os seus ovos, depois, com a ajuda da esposa de Darzee, atraiu Nagaia para a sua toca onde acabou com ela. A paz voltou a reinar no jardim da família de Teddy a qual ficou eternamente grata pela atitude de Rikki-Tikki-Tavi.
Rikki-Tikki-Tavi foi sempre um companheiro fiel, colocando-se em perigo para salvar a família de Teddy. Assim demos ser, companheiros, amigos, fieis, sempre dispostos a ajudar o próximo.
Francisco de Assis é um personagem importante na vida da Alcateia, pois ele foi escolhido como padroeiro dos lobinhos. Recebeu este título porque tinha grande carinho e respeito pelos animais e pelo seu semelhante. Por isso, o dia dos lobinho é comemorado em 04 de outubro, no dia de São Francisco de Assis.
Francisco nasceu em 1182 na Itália, em uma aldeia chamada de Assis, por isso ficou conhecido como Francisco de Assis. Foi um rapaz normal, de família rica e boa vida, exagerava em festas, desperdiçava seu dinheiro, era preguiçoso e não gostava de estudar. Tinha um sonho de ser herói, por isso se alistou para a guerra. Ao adoecer na guerra, refletiu sobre a vida inútil que havia levado até então. Quando retornou pra casa, já melhor de saúde, decidiu mudar o rumo de sua vida. Ele ficou conhecido pela sua doação ao próximo e pelos cuidados com os animais e plantas. Era então um homem que promovia a paz, o diálogo entre as pessoas e comunidades, ajudava os doentes e a todos que necessitassem. Abriu mão de sua riqueza familiar pra viver uma vida de pobreza e trabalho ao próximo. Foi fundador da ordem dos frades Franciscanos. Dois anos após sua morte, em 1226, foi canonizado pelo Papa Gregório IX.
Houve um episódio em que um lobo feroz andava rondando o vilarejo de Gúbio e atacando os animais e até mesmo os homens. Todos tinham medo do lobo e evitavam andar pelos campos desarmados. Foi então que Francisco foi até o animal e conversou com o lobo, pedindo que não mais atacasse o vilarejo. O lobo em sinal de humildade agachou aos pés e apoiou a pata sobre a mão estendida de Francisco. Francisco levou o lobo até a praça central do vilarejo e mostrou a todos que ele não mais atacaria os homens, mas que deveria ser devidamente alimentado.
Francisco de Assis ensinava as pessoas a pensarem primeiro no próximo, a serem limpos de alma e a dizerem sempre a verdade. Se você se lembrar da lei do lobinho vai perceber que acreditamos nas mesmas ideias, as quais tratam de respeito, paz, bondade, solidariedade, caridade e amor. Francisco dizia que devemos ser verdadeiros conosco e com Deus, assim teremos poder de realmente ajudar o próximo. Por isso o homem Francisco de Assis, e não o santo, por seus ensinamentos e atitudes, foi escolhido como personagem para representar a espiritualidade no ramo lobinho
Após a invasão do Jângal, inicia um período agradável na vida de Mowgli. Após inúmeras aventuras e feitos, Mowgli detinha o respeito dos animais do Jângal, devido à sua coragem, esperteza e astúcia. Pai lobo e mãe loba haviam morrido e Baloo estava tão velho que mal conseguia andar. Mesmo Bagheera com seus músculos de aço já andava cançada. Akelá já apresentava a pelagem branca de tão velho e Mowgli tinha que dividir sua caça com ele. A alcateia neste tempo era conhecida como povo de Mowgli, mesmo este não tendo assumido a liderança do grupo, para a qual foi escolhido Fao, filho de Faona.
Certo fim de tarde, Mowgli e seus irmãos ouviram gritos, era o fial, um uivo aterrador. Lobo Gris logo percebeu que se tratava de uma caçada. Juntos com a alcateia eles perceberam a chegada de um lobo, um Won-tolla (lobo sem alcateia). Ofegante e cançado ele explicou a alcateia que havia lutado contra os dholes, os cães vermelhos do Decão, os quais haviam matado sua companheira e seus três filhotes.
O lobo forasteiro avisou que os cães eram muitos e estavam invadindo o território dos lobos em busca de alimentos. O grupo era composto por caçadores vermelhos, dispostos a matar. Akelá percebendo que não havia outra saída e que teriam que enfrentar os cães vermelhos pela própria vida, sugeriu que Mowgli de escondesse nas terras do norte e aguardasse a passagem dos dholes. Mas Mowgli retrucou dizendo que lutaria junto com o seu povo contra os dholes.
Ao sair para espionar os dholes e verificar seu número, Mowgli acabou tropeçando em Kaa, a grande cobra píton. Conversaram muito os dois e acabaram juntos montando uma estratégia astuta para vencer os destemidos e numerosos dholes. Kaa mostrou a Mowgli o povo Miúdo (as abelhas dos rochedos) e as corredeiras formadas pelo rio waingunga junto aos rochedos. Se Mowgli conseguisse enfurecer os dholes, estes ficariam cegos de raiva e o seguiriam até os rochedos, onde seriam mortalmente atacados pelas abelhas, aqueles que sobrevivessem as abelhas teriam seu fim trágico ao caírem dos rochedos nas corredeiras do rio waingunga, e aqueles que sobrevivessem a tudo isso, teriam a alcateia esperando logo abaixo para uma luta mortal.
Então Mowgli se pôs a encontrar os cães vermelhos, ao avistá-los percebeu que eram em grande número, acima de duzentos. Trepado em uma árvore, Mowgli começa a insultar os dholes, que ficaram furiosos e o tentaram pegar a todo custo. Os insultos de Mowgli levaram os dholes do silêncio aos grunhidos, e dos grunhidos aos uivos e, finalmente, a raiva desenfreada, tal como desejada por Mowgli. O cão líder saltou no intuito de morder Mowgli, mas este, mais rápido, pegou o cão pelo pescoço e cortou seu rabo. Todo o grupo dos cães enfurecidos aguardava sob a árvore onde Mowgli se protegia, sabendo que uma hora ele teria que descer ou morreria de fome.
Mowgli subiu até um galho mais alto e dormiu até o anoitecer, quando o povo miúdo finalizaria seu trabalho e retornaria as colmeias dos rochedos. Então, pulando de árvore em árvore, Mowgli tentava atrair os dholes para a armadilha das abelhas dos rochedos. Ao chegar à última árvore ele passou alho em todo o seu corpo (as abelhas odeiam o cheiro do alho), e lançou-se a toda velocidade em direção aos rochedos das abelhas. A alcateia de cães vermelhos o seguiu furiosamente. Ao perceber as vibrações da corrida de Mowgli e dos cães, as abelhas se colocaram em prontidão. Mowgli correu tão rápido que conseguiu saltar dos rochedos no rio Waingunga antes de receber qualquer picada. Mowgli já havia combinado com Kaa para lhe aparar a queda no rio, evitando que se chocasse com as pedras nas corredeiras. Os dholes foram atacados brutalmente pelas abelhas, muitos foram mortos pelas picadas, outros ao caírem sobre as pedras do rio. Os poucos que sobraram foram forçados a se lançarem no rio para evitar a morte pelas picadas, e foram recebidos pela alcateia do povo livre logo abaixo em um remanso formado no rio. Uma luta pelo território e pelas suas vidas fora travada na beira do rio Waingunga. Mowgli, lobo Gris, Akelá, Fao e Won-tolla, juntamente com os outros lobos da alcateia de seeonee, lutaram bravamente até acabar com todos os cães vermelhos. Nada resistia aos dholes assassinos, mas neste episódio eles foram aniquilados graças a estratégia bolada pelo Mowgli e pela Kaa.
Akelá fora gravemente ferido e antes de morrer pede para passar junto ao lado de seu amigo Mowgli. Akelá diz que logo Mowgli partirá para junto dos homens, mas Mowgli diz que faz parte do povo livre e não quer partir. Mas Akelá sabiamente alerta Mowgli que logo ele mesmo tomará esta decisão. Ao morrer, Akelá é saudado por toda a alcateia que por muito tempo liderou.
Já fazia alguns dias que Mowgli havia voltado pro jângal. Kaa estava mudando de pele pela ducentésima vez e Mowgli foi felicitá-la.
Encontrou Kaa enrolada em espiral no solo, tendo ao lado sua velha pele, ressecada e retorcida.
A amizade dos dois era antiga desde quando ela o tinha salvado nas Tocas frias e a cobra ajeitou-se nos ombros do rapaz para mais uma de suas longas conversas:
– Rãzinha há três ou quatro luas passadas fui caçar nas Tocas Frias e encontrei a Naja Branca – ela é a mãe de todas as serpentes, e mais velha que o mundo, e me falou de coisas acima de minha compreensão e mostrou-me coisas que eu nunca tinha visto antes.
Mowgli muito curioso quis logo saber de tudo e foi perguntando:
.- Debaixo da terra Kaa?
– Sim, ela mora sob uma cidade em ruínas – lá nas Tocas Frias, hoje é só uma cidade recoberta pela selva toda destruída , mas já foi o palco e domínio de reis poderosos, donos de muitos cavalos e elefantes. A Naja Branca foi colocada ali para ser guardiã de um tesouro que está até hoje no mesmo lugar.
– E o que é este tesouro? É bom de comer?
Mowgli não sabia o que era um tesouro. E kaa respondeu:
– Não é caça, e se você tentar come-lo teria quebrado todos os seus dentes! Mas a Naja Branca disse que qualquer homem teria dado a própria vida somente para vê-lo, ou para possuí-lo. Disse Kaa.
Mowgli então pensou e falou pra kaa:
– Estas coisas devem ser “caça nova”. Você pode me levar lá! Eu também sou humano, preciso, então, ver esse tal tesouro.
Assim, seguiram os dois amigos para visitar a cobra branca. Chegando lá…
– Boa caçada! Disse Mowgli, que nunca abandonava as boas maneiras, ao entrar. Tinha aprendido isso com seu mestre Baloo.
A grande cobra foi logo perguntando:
-Como está a cidade lá em cima? Devo ter ficado surda, pois há muito não escuto o gongo de guerra, disse ela, sem responder à saudação de Mowgli. Kaa se adiantou e respondeu:
– Já te disse que não existe mais cidade lá em cima. Sem esperança que a velha naja entendesse, pois era visível para qualquer um que já há muito tempo ela tinha perdido o juízo.
Sem dar importância a kaa a Naja voltou a falar:
– Sou guardiã dos maravilhosos e valiosos tesouros do Rei. O rajá Kurrun construiu esta abóbada sobre mim, para que eu aqui ficasse protegendo seu tesouro e a ensinando a morte aos que aparecessem. Vê estes “homens” – disse olhando para alguns crânios que se espalhavam pelo no chão – Vieram roubar o tesouro. Falei-lhes no escuro e eles silenciaram para sempre.
Mowgli correu os olhos pela caverna, curioso para ver e entender e conhecer o que seria o tão falado e valioso tesouro.
No fundo viu um punhado de coisas brilhantes.
Mowgli apanhou algumas moedas de ouro caídas no chão e tentou mordê-las e concluiu eram duras e sem gosto.
As facas o interessavam, mas não eram tão boas quanto a que tinha trazido da aldeia dos homens.
Que tesouro mais chato pensou. Não via nada que sirva.
Por fim, depois de muito mexer, achou algo realmente fascinante. Estava meio enterrado em um amontoado de joias era um aguilhão de elefante.
Os caçadores de elefantes o usavam pra conduzir os elefantes presos , mais Mowgli não sabia pra que servia , tinha apenas gostado do objeto porque era enfeitado com figuras de elefante, ele achou lindo e queria mostrar a seu amigo Hathi – o elefante.
A peça tinha um enorme rubi redondo, no cabo havia uma larga barra de turquesas azuis e mais abaixo um adorno de flores feitas de rubis com folhas de esmeralda. A ponta era em formato de espeto feito de ouro e adornado com gravações representando caçadas de elefantes.
– E aí, meu menino? A visão deste tesouro não vale a morte? Perguntou a naja.
– De jeito algum! Para que quero isto que chamas de tesouro? Se me deres este aguilhão, ficarei agradecido.
– Para levar o aguilhão vc deve lutar comigo menino disse a cobra.
Mowgli aceitou lutar com a cobra e de repente percebeu que de tão velha a cobra não poderia mordê-lo, pois não tinha mais presas.
Ao ser descoberta, a grande naja ficou muito envergonhada e pediu que o menino não dissesse nada e que levasse o que desejava.
Mowgli mostrou o aguilhão que havia escolhido. E a grande Naja branca o advertiu:
– Se desejas este aguilhão, podes levá-lo. Mas aviso: ele é a morte!
Mowgli e Kaa sentiram prazer em voltar novamente à luz do dia. Os raios do sol fizeram o aguilhão brilhar e isso deixou Mowgli contente.
– Tenho de mostrar isso à Bagheera – pensou Mowgli despedindo-se de kaa
Bagheera, a pantera negra, conhecia um pouco sobre homens, pois havia nascido em um circo da cidade e fugido para o Jângal. Ao encontra-la mostrou o aguilhão.
Observando melhor o aguilhão Mowgli pensou:
– É bonito, mas a Naja Branca tem razão. Significa dor para os elefantes. Vendo as gravações de caçada de elefante que tinham desenhado no objeto.
E baguera acrescentou:
– E morte para os homens.
Mowgli não podia compreender por que este objeto causaria morte para os homens, mas pôde compreender, olhando, para o afiado gancho, como ele poderia trazer dor para os elefantes.
E num gesto rápido, jogou o aguilhão pelos ares.
– Desse modo minhas mãos ficam limpas da morte e da dor.
O sol já se punha todos se recolheram para dormir. Nos sonhos Mowgli via desfilando a sua frente às pedras brilhantes que havia visto na toca do tesouro da cobra branca. Ao acordar, resolveu ir dar mais uma olhada no aguilhão. Curiosa, Bagheera o seguiu.
Procuraram em vão, o aguilhão não estava mais ali.
Bagheera, muito atenta, notou pegadas deixadas no chão, próximas do objeto e logo concluiu que um homem o havia levado.
Em vista disso, Mowgli curioso resolveu segui-las, a fim ver se o aguilhão realmente significava a morte, como todos haviam dito. E como seria a cara da morte.
As pegadas estavam frescas e nítidas e isso facilitava a tarefa de segui-las.
De repente começaram a notar, que o molde dos dedos começou a se mostrar mais esparramado o queria dizer que o homem que havia pegado o aguilhão estava correndo.
Repentinamente as pegadas viravam para a direita.
– Por que alguém mudaria tão subitamente seu caminho? Perguntou Mowgli.
– Vamos investigar! Exclamou Bagheera, e não precisou ir muito longe para perceber que outras pegadas apareciam.
Eram de um homem com pés menores, com os dedões voltados para dentro.
Para entender o que havia acontecido, Mowgli seguiu a trilha dos “pés pequenos” e Baguera a dos “pés grandes”.
Caminharam assim por meia hora, sendo que as pegadas, afundadas no chão, mostravam que a corrida se acelerava cada vez mais.
Num determinado momento elas se encontraram, e menos de 5 metros a frente deles , jazia um homem de pés grandes com uma flecha fincada no seu peito
– A cobra não estava tão velha e louca como você supôs, irmãozinho, disse Bagheera. Uma morte pelo menos existe.
Continuaram sua busca, seguindo apenas as pegadas feitas pelos “pés pequenos”.
Não demorou muito até chegarem numa clareira, onde encontraram os resto de fogo de uma fogueira e estendido, morto, com os pés nas cinzas, um corpo de homem com “pés pequenos”.
Mowgli concluiu:
– A mãe Naja conhecia bem a raça dos homens.
Em volta da fogueira, pegadas de quatro homens calçados podiam ser vistas e indicavam quem tinha assassinado o homenzinho.
Seguir quatro homens calçados não seria difícil, pois suas pegadas revelavam que andavam mais devagar e além do mais não deveriam estar muito longe. As brasas da fogueira ainda brilhavam.
Andaram por uma hora até que sentiram cheiro de fumaça, os homens haviam parado para fazer uma refeição.
Farejaram e espionaram por um tempo, até que Bagheera deu um súbito salto e grito:
– Este também foi morto!
Ao lado do corpo de um homem gordo, uma trouxa aberta mostrava restos de um pó branco. Mowgli disse então:
– Os homens matam por tão pouco, este foi morto pela farinha que carregava. Vou levar algumas rãs gordas para a Naja se alimentar, pois ela é sábia. Com este são três mortes na trilha do aguilhão.
Não tinham andado muito atrás das pegadas, quando viram corvos rondando uma clareira; o fim da história parecia estar lá.
Em volta de uma fogueira se apagando, havia três corpos sem vida.
Um caldeirão sob a fogueira trazia restos do almoço do trio, preparado com a farinha roubada.
Mowgli quebrou um pedaço do seu conteúdo já queimado e endurecido, e exclamou,cuspindo:
– É a maçã da morte!
O homem gordo, da trouxa, envenenou a comida para matar os outros três, mas foi morto antes disso.
Ao lado da fogueira que teimava ainda em soltar algumas faíscas, estava o aguilhão, brilhando, sem dar-se conta do mal que causara.
– Como fiz bem em jogá-lo fora, disse Mowgli. Se ficar aqui, continuará a matar homens, um atrás do outro. Voltará para a Mãe das Najas.
Duas noites mais tarde, quando a Naja Branca, no escuro de sua caverna, estava no meio de suas lamentações, o aguilhão apareceu zumbindo e foi cair no seu velho leito de moedas.
– Mãe das Najas, disse Mowgli, arranja uma cobra nova e bem venenosa para te ajudar a guardar os tesouros do rei, de modo que homem nenhum saia desta sua caverna com vida! Realmente o aguilhão carrega a morte.
Eu, Kotick, nasci junto aos meus pais, Matkah e Sea Catch, em uma praia chamada Novastoshnah, onde milhares de focas se reúnem para passar o verão.
Como todo filhote, tive que aprender muitas coisas, antes de poder nadar com minhas próprias nadadeiras, como dizemos entre as focas. Tive grandes e bons amigos. Junto com eles aprendi a comer peixes, a chapinhar na Água e a perder o medo das ondas.
Uma vez, s pelo prazer da aventura, me meti em uma onda muito grande para mim. Levei um enorme susto e, de passagem, uma bronca dos meus pais!
Quando cresci, tive uma experiência que mudou minha vida: conheci os homens.
As foquinhas estavam brincando na praia quando eles chegaram. Nos observaram com calma e logo levaram alguns de nós, como se fossem nossos donos. S não me levaram porque ficaram com medo da minha cor.
Decidi segui-los. Vi de longe quando chegaram a um lugar chamado matadouro, onde estavam outros caçadores. Todos eles tinham uns paus com ponta de metal, com os quais começaram a bater nos meus amigos. As foquinhas estavam imóveis, sem qualquer tipo de defesa.
Quando contei s outras focas o que tinha visto, s me disseram que, se eu não queria ver os meus amigos morrendo, não deveria me aproximar do matadouro.
Não entendi por que pensavam assim e tomei a decisão de procurar um lugar seguro para meu povo, um local onde os caçadores não pudessem chegar. Para encontrar tal lugar tive que nadar de norte a sul várias vezes, por todo o Oceano Pacífico, vivendo muitas aventuras e aprendendo coisas que não sabia, até que encontrei as vacas marinhas, das quais falarei em outra ocasião.
Depois de presenciar a morte das foquinhas nas mãos dos caçadores, corri sem parar até chegar praia e mergulhar no mar. Na Água fresca me senti mais tranquilo e seguro. De qualquer forma, não podia deixar de chorar, lembrando os momentos que tinha vivido com meus companheiros. Meu pranto chegou aos ouvidos de um leão marinho que repousava na borda de um rochedo. Depois de me olhar de alto a baixo, ele perguntou:
– Posso saber por que você está chorando desse jeito? – Estão matando todas as foquinhas! – Como você É exagerado! – respondeu-me: Você não as está ouvindo brincar na praia? Provavelmente, s mataram umas poucas entre elas. – Mas estão matando! – respondi, ao mesmo tempo que me desviava de uma grande onda, e acrescentei – Precisamos encontrar outra praia! – Até que você nada bem, para uma foquinha – comentou o leão marinho, surpreendido por minha destreza. – Você caiu na minha simpatia, por isso o aconselho a descansar um pouco e depois procurar Sea Vitch, o elefante marinho, que talvez conheça um bom lugar. Voltei a Novastoshnah para recuperar minhas forças e parti para a ilhota onde Sea Vitch cochilava juntos morsas e a algumas gaivotas e corvos marinhos.
– Hei! Hei! – gritei várias vezes. – Ousa-me, comedor de mariscos! – Comedor de mariscos! Comedor de mariscos! – gritavam os corvos marinhos. – Eh, oh, ah – bocejou Sea Vitch – Que É que você quer?
– Procuro um lugar seguro para as focas – respondi com toda a fora. – Quem sabe disso. É manati, a vaca marinha – respondeu Sea Vitch – Agora, dê o fora, pois estou muito ocupado. – Ocupado! Ocupado…! – gritaram as gaivotas. Voltei para junto dos meus pais, para ouvir sua opinião. Meu pai me aconselhou a deixar as coisas como estavam; minha mãe, que eu deixasse de lado essas preocupações e fosse brincar com as outras foquinhas. Vai ser mais difícil do que eu imaginava, pensei. Não devo lutar apenas contra os homens, mas também contra a resignação do meu povo. Mas não tem importância, vou continuar procurando o que creio que é melhor para todos. Foi uma viagem enorme, até encontrar as vacas marinhas. Elas me levaram a um lugar seguro, desconhecido para os homens, para onde pude, afinal, levar meu povo.
Existem inúmeras explicações para o uso do aperto de mão esquerda “canhota” pelos escoteiros, aqui transcrevemos é a que mais se aproxima da sua verdadeira origem.
“…Em 1893, B-P. foi enviado numa expedição à colônia britânica da Costa do Ouro (África Ocidental), para pacificar os Ashantis, fazer cumprir o tratado de 1874 e pôr a termo ao contrabando de escravos. Quando da queda do Kamussi, um dos chefes, Prempeh veio ao encontro de B-P. e estendeu-lhe a mão esquerda. B-P. estendeu-lhe a mão direita, mas o Chefe disse-lhe:
“Não, no meu país, ao mais bravo entre os bravos cumprimenta-se com a mão esquerda”.
B-P. reparou que, enquanto o chefe lhe estendia a mão esquerda, levantava a direita aberta, por cima da cabeça, o que significava que era um amigo leal, pois a mão utilizada normalmente para segurar a arma estava vazia. A mão esquerda também era a mão que segurava no escudo e quando um guerreiro cumprimentava com a mão esquerda tinha que afastar o escudo, ficando, portanto, desprotegido. Este também era um sinal de confiança e de lealdade para com a pessoa que se estava a cumprimentar.
O aperto de mão com a mão esquerda demonstra algo ainda mais nobre, o desejo dos homens acreditarem uns nos outros! Os escoteiros cumprimentam-se apertando a mão esquerda,”